sábado, 21 de fevereiro de 2015

retrocesso

Me vejo cobrando o passado e querendo que ele existisse e me fizesse entender porque ele aconteceu. Certas coisas que não se apagam atormentam a mente, e voltam, com mil questões e mil perguntas abertas, sem respostas e sem explicações. Achei que o coração estivesse curado, que o sofrimento de adolescente tardia estivesse vedado, que as palavras(não ditas) estivessem abafadas. Mas acordaram. E elas machucam. Ferem a cara, o sorriso, as respostas. Ferida exposta, forte e tenra. Não cicatriza, mas eu não sabia disso. Achei que estava tudo bem. Joguei tanta pá de cal. Escondi com todas as forças, lá no fundo do pensamento, lá no abismo do meu coração todas as lembranças. Tentei afogar todo lapso de sentimento que ameaçava voltar a tona. Escondi meus sentimentos, me enganei, enganei os outros, achei que amei de novo... mas não. Ele voltou. E de novo, machucou meu coração. Me fez pequena e indefesa outra vez. Me fez recuar e pedir arrego. Me fez chorar. Apesar das minhas vãs promessas de nunca mais chorar nem por ele nem por ninguém. Me fez pedir socorro e não me deu explicações. Ele destruiu de novo o fajuto conto de fadas que eu invento. E não me disse mais nada. Apenas tirou a casca da ferida e fez com que sangrasse de novo e lentamente. E eu, sem saber o que fazer e sem entender o que acontecia, esperei. Aliás, continuo esperando, por que apesar de voltar a me trancar nos muros da minha própria prisão, eu ainda preciso de respostas.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

completude

Pra ser inteiro, é preciso ser muitos.  Todas as fases da vida são cheias de medos indecifráveis, momentos de terror que parecem não ter fim, e todos os dias das seguintes fases parecem intermináveis, e o inteiro nunca chega. O desafio é se preencher sem deixar com que o peso dos dias acabe com a individualidade.
Mas por todos os lados existem cobranças,  as pessoas tentam ser completas e pra isso exigem muito do outro. São raras as vezes que existe altruísmo nas ações. São raras as vezes que fazer alguém feliz é o objetivo principal. Para ser inteiro não é preciso sugar os outros e sim achar dentro de si o par de cada limitação, o outro lado de cada lado bom.
Por mais que seja importante e necessário se bastar, a gente busca no outro essa saciedade. Tenta encontrar no outro o que deveria estar dentro. O mais engraçado é que, ao tentar ser e se fazer total, os pedaços dos outros aos poucos vão aparecendo.
As bordas da vida são intrigantes. A gente quer amar e ser amado, mas não sabe o que fazer depois do primeiro beijo. A gente quer conquistar, mas não tem a noção do aqui e nem do agora. A gente quer ser livre mas não busca escarafunchar as asas e voa baixo.
É difícil viver por si sem tentar entender o que se passa no coração do outro. Já que depender nos é tão natural.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

medo de perder

a dependência física de reagir quando os braços ficam fracos.  a dependência química quando se sente saudade do cheiro. a dependência sobrenatural quando se sente falta da paz de espírito.
depende de quem vier, depende se vier. depende se faz frio ou se o tempo esquentou. depende do sorriso que se recebe. depende da mensagem, da massagem, da telepatia, da sinestesia. depende da lágrima segurada. depende da voz abafada, do afago distante, dos votos de felicidade e da estima de melhoras.
depender seria cômico se não fosse consubstancial. seria pequeno se não trouxesse acalento. seria desprezível se não acalmasse a alma e trouxesse alívio ao coração. a dependência causa saudade. cria poemas.  aguça os sentidos e libera endorfina.
a dependência causa dependência, faz-se esquecer dos horários, dos números de telefone, dos pontos de ônibus, da combinação da roupa, da cor do esmalte, da arrumação do quarto, do nome, da voz, do sorriso.
depende de quem vem. depende de quem fica. depende de quem faz sentir. depende de quem arrepia. depende do querer. depende da reciprocidade. depende do contato. depende da doação. depender seria trágico se não fosse essencial.