terça-feira, 27 de outubro de 2015

casa

Assim mesmo que os dias são construídos, de dores e alegrias, sorrisos e choros, nem sempre tudo na mesma ordem, aliás, quase nunca, mas eles são construídos. Os pássaros voam longe para escolher os melhores gravetos e montar um ninho que servirá de abrigo pra eles e pra sua pequena família que vai ser formar. A gente deveria ser assim também. Ir longe, estudar cada oportunidade, buscar as melhores partes de um todo e tentar construir nossa morada. Buscar amor, buscar sorrisos sinceros, abraços apertados, conversas sadias, e construir dentro da gente um repouso seguro. Isso que dá sabor e cor à existência. Não adianta ser bom em tudo, querer ser o centro do universo, dar palpites infinitos na vida do outro e se esquecer de que a sua casa tá uma bagunça, que seu coração pede socorro, que seus braços já não conseguem mais carregar o peso do vazio. A construção de uma morada acontece quando tudo o que se faz é desprendido de medo de não dar certo. A vida é incerta, a vida já é por ela mesma a complicação. Quando a gente se ama primeiro, se curte e se venera antes de se entregar, daí o mundo lhe sorri. Daí os sonhos se realizam. A vida fica mais bonita e sim, o seu lugar se torna seu.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

repetidamente

As respostas não vem de repente, é tão desnecessário correr contra a corrente, é incerto. Estou vivo, mas não sou vivo, essa não é a minha essência, tudo é um constante ‘vir a ser’. Caminhar não é só pra quem tem pernas, voar não é só pra quem tem asas, arriscar é uma proposta, aceitar é o desafio e às vezes eu me surpreendo com a minha coragem, que quando se revela dá um lugar pra mim. Ser inseguro é soltar as rédeas por não saber o que fazer com elas. Respirar e pensar antes de falar, e ficar só no antes, as palavras não saem, vêm soluços apenas, e tento engoli-los, pra não me perder, para não me arrepender. Tudo é motivo de receio. Inseguro... Sou inseguro e despreparado, sou fraco, leso, indeciso. Quantas vezes eu planejei e não fui. Quantas vezes eu tive obrigações e não cumpri. O medo de dar errado, medo de não agradar, medo (que dá medo do medo que dá). Enquanto eu tento respirar, me falta algo pra se comparar ao ar... Falta-me impulso, apesar de existir rebeldia, apesar de eu não ser a melhor pessoa do mundo. Mas está preso, não se desprende de mim, parece que, por mais que eu não queira, eu estou fugindo, esquecendo de buscar, talvez nem seja por esquecimento... Vacilei, desandei, me perdi em minhas voltas, não respondi as questões propostas. A coragem momentânea também fugiu. Tudo é errado, as pessoas são erradas, as palavras, a situação... Eu, meu ego, minha vaidade, meu casulo. O erro persiste, meu erro sim ‘é’. Faz parte da essência que eu estou tentando (re)construir. Tão cedo e tão depressa mesmo. Minha alma anseia um sobressalto, devo isso a ela. Ainda tenho muito tempo para errar, então vou consertar esses erros logo e deixar vir os demais, pra ver se eu consigo lidar com tudo. Insisto no ‘as coisas não são’, elas ‘estão’. Tudo é passível de mudança, por isso que eu ainda não me deixei ser engolido pelas regras e normas que o mundo me impõe, as coisas vão mudar. Se houver desatino no destino, não será diferente de agora, as coincidências são provas de que alguém já passou por isso. Estar vivo é o suficiente... A insegurança que aguarde pelo fim de seus dias.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

sinestesia

Ouça esse cheiro, se embriague com a minha voz sedenta que clama por seu ouvido. Sinta esse olhar percorrendo seu corpo e te lendo. Ouse. Aproveite que meus olhos não saem do movimento acelerado das suas mãos. Esconda-me em seu pensamento e imagine que minha voz está fazendo você adormecer. Preste atenção em cada palavra que eu balbucio e pegue esse gosto que sai da minha voz. Seja ele. Entenda ele. Esse gosto gosta de você. Esse gosto te persegue por onde quer que ande. Esse gosto deseja o seu gostar. Sorria. Invente palavras para me descrever com o olhar. Se aproxime. Sinta outra vez essa vontade que meus olhos tem de enxergar o que tanto esconde nesse coração que não se revela nem com reza. Me encante e desencana, pois o desamor não me apetece.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

precisamos falar sobre tudo


É só virar a esquina que os homens, aqueles que fazem de tudo para demonstrar macheza, comecem a “cuspir” elogios asquerosos. Mas, em geral, é só passar, ninguém vê. Quem vê não fala sobre e acha natural, desde que o mundo é mundo.
Grandes coisas acontecem quando ninguém está olhando, e coisas maiores ainda acontecem se as pessoas se derem conta de que é preciso falar sobre elas. É difícil conseguir tirar todas as raízes do preconceito intrínseco. As palavras de Rousseau se encaixam bem no momento em que ele diz que “o homem nasce livre, mas a sociedade o corrompe”, mas queria muito saber onde começam as distinções.
Queria saber onde está escrito que negro nasceu para ser escravo, que gay é uma aberração da natureza, que ser pobre é não ter direitos. Essas questões estão relacionadas a costumes antigos, muito antigos mesmo, desde que se entende como início da “civilização” a venda de pessoas como escravas. O conceito de valor é muito esquecido. Mas não quero falar sobre um fato isolado, quero tentar propor um pensamento coletivo: o de acreditar que é preciso falar por aqueles que têm as vozes abafadas. Não preciso ser gay para lutar contra a homofobia, não preciso ser mulher para achar o machismo um absurdo, não preciso ser negra para não admitir que exista racismo, da forma mais tosca e incoerente.
É por isso que é preciso falar, não é só se indignar e achar que a causa é perdida. Abraçar a causa faz parte do nó que junta e nos separa dos nós na garganta por não poder impedir uma injustiça, por não poder salvar vidas. Precisamos falar sobre o que sufoca a gente. Falar sobre o que nos inquieta, trazer para cá as respostas para tantas perguntas que vagam.
Quando a gente se cala para as injustiças, somos indiretamente coniventes com elas. É muito fácil ser branco, rico, heterossexual e sudestino (embora o preconceito seja tão grande contra os nordestinos que ninguém se diz “sudestino”. Só nomeamos o que é estranho?). É também muito fácil achar que o mundo está seguindo seu curso normal, as mortes cruéis acontecem por que tem que acontecer. É muito fácil aceitar calado as atrocidades e torcer para que elas não cheguem ao meu bairro de classe A.

São muitas questões a ser defendidas por quem, mais que ter um rótulo, é ser humano. Não é preciso ser gay para achar que não há nada de errado num relacionamento entre dois homens. Tampouco é necessário cantar uma mulher na rua – seja ela bonita ou não, com roupa curta ou comprida – para se sentir “homem”. Você não precisa também acreditar em Oxalá para achar que a salvação está numa determinada religião. Por fim, ser branco ou negro, tanto faz, quando antes de tudo se é humano.